Mônaco-1984: a exibição de gala que eternizou Stefan Bellof

Ayrton Senna (Toleman) e Stefan Bellof (Tyrrell): os heróis da etapa monegasca de 1984

Ayrton Senna (Toleman) e Stefan Bellof (Tyrrell): os heróis da etapa monegasca de 1984

O limiar de uma carreira depende de uma apresentação de gala. Antes de se consagrar tricampeão mundial de Fórmula 1, Ayrton Senna precisou demonstrar todo seu potencial a bordo de um mediano Toleman. Com esse equipamento, conseguiu a segunda posição no GP de Mônaco de 1984, atrás apenas do vencedor Alain Prost (McLaren). O que veio a partir daquele 3 de junho se tornou história: o brasileiro seguiu os passos de Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet e virou legenda no automobilismo. Contudo, um outro estreante naquela temporada fez uma exibição irrepreensível. De último, chegou ao pódio. Em 31 voltas. E em uma pista alagada. E com um carro nada confiável.

Stefan Bellof foi tão exaltado quanto Senna no Principado. Porém, apesar do sucesso na etapa monegasca, não teve a mesma sorte de Ayrton na F1. Nem mesmo viu o terceiro lugar homologado, uma vez que a Tyrrell perdeu todos os resultados obtidos em 1984 por conta de irregularidades no peso mínimo do carro. Ainda assim, a performance de Bellof é digna de lembrança.

Stefan tinha três pontos no Mundial quando desembarcou em Mônaco

Stefan tinha 3 pontos quando desembarcou em Mônaco

O alemão desembarcou em Mônaco com três pontos no Mundial, provenientes do quinto lugar no GP de San Marino e do sexto lugar no GP da Bélgica. Seu desempenho era superior ao de outro estreante, o inglês Martin Brundle, que conquistou dois pontos por conta de um quinto lugar no GP do Brasil. Apesar da performance mediana na temporada, a Tyrrell não se adaptou ao traçado sinuoso. Isso tornou dramática a classificação para a etapa monegasca, uma vez que, à época, apenas 20 carros eram liberados para o grid.

Classificar era missão quase impossível para a jovem dupla do time de Ken Tyrrell. Brundle bem que tentou, mas o máximo que conseguiu foi 1m26s373. Não conseguiu superar Marc Surer (Arrows), que havia anotado 1m26s273. Com esse tempo, o suíço era o 20º e último classificado. Na ânsia de tentar bater Marc, Martin sofreu um acidente espetacular na Curva da Tabacaria. Seu carro ficou completamente destruído. O piloto estava fora da luta por um lugar na corrida.

Bellof se esforçou muito para assegurar o último lugar no grid para o GP de Mônaco de 1984

Bellof se esforçou muito para assegurar o último lugar no grid para o GP de Mônaco de 1984

Sem Brundle, as esperanças da escuderia azul estavam todas sobre os ombros de Bellof. No final da classificação, Stefan arrancou o máximo de seu bólido e anotou 1m26s117. Foi 156 milésimos mais veloz que Surer. A 20ª e última posição do grid era do alemão. Expectativas para o GP de Mônaco partindo do fundo? Nenhuma.

Contudo, um temporal caiu sobre o Principado no domingo, momentos antes da largada. Com a pista molhada, as forças se equivaleriam. Mesmo assim, Bellof não estava confiante. Haviam outros 19 carros à sua frente. O risco de acidentes aumentava consideravelmente. E isso logo foi notado após a luz verde: Derek Warwick (Renault), Patrick Tambay (Renault) e Andrea de Cesaris (Ligier) se chocaram na Saint Devote.

O alemão da Tyrrell escapou do acidente na Saint Devote e completou a volta 1 em 10º

O alemão da Tyrrell escapou do acidente na Saint Devote e completou a volta 1 em 10º

Por pura sorte, Stefan escapou ileso do incidente da primeira curva. Melhor, superou sete pilotos em uma volta – François Hesnault (Ligier), Nelson Piquet (Brabham), Riccardo Patrese (Alfa Romeo), Johnny Ceccoto (Toleman), Elio de Angelis (Lotus), Piercarlo Ghinzani (Osella) e Corrado Fabi (Brabham). O alemão da Tyrrell finalizou a primeira volta em 10º, atrás justamente de Senna. Enquanto o brasileiro da Toleman ascendia na prova, Bellof fazia o mesmo.

A primeira vítima de Stefan foi Jacques Lafitte (Williams), na volta 6. Três voltas depois, Michele Alboreto (Ferrari) se enroscou com o companheiro de Scuderia, René Arnoux, na Curva Mirabeau. O italiano despencou na classificação, alçando Bellof para o oitavo lugar. O alemão permaneceria ali até a volta 16, quando superou o compatriota Manfred Winkelhock (ATS). Na mesma passagem, Nigel Mansell (Lotus) se acidentou sozinho. Dessa forma, já estava na zona de pontos. Se o piloto da Tyrrell era 6º, Senna já estava em 3º.

Bellof persegue Keke Rosberg (Williams) na Rascasse na disputa pelo quinto lugar

Bellof persegue Keke Rosberg (Williams) na Rascasse na disputa pelo quinto lugar

Quanto mais a chuva caía, mais Bellof acelerava. Na volta 20, alcançou Keke Rosberg (Williams), vencedor em Mônaco em 1983. Na passagem seguinte, não tomou conhecimento do finlandês, chegando à quinta posição. Na volta 23, Niki Lauda (McLaren) abandonou a corrida, levando Stefan ao quarto lugar. A partir dali, o alemão da Tyrrell passou a ser o mais veloz piloto de Mônaco. Na volta 25, alcançou Arnoux, superando o francês na volta 27.

Bellof era terceiro e tirava a diferença para Senna, segundo colocado. O brasileiro, por sua vez, se aproximava de Alain Prost (McLaren), líder da prova e nada adepto da chuva. Na volta 31, o belga Jacky Ickx, diretor do GP de Mônaco, decidiu pela interrupção da corrida. O francês da McLaren ficou com a vitória, seguido por Ayrton e Stefan. Apesar disso, as grandes atuações no Principado foram dos novatos.

Após superar Arnoux, Bellof alcançou o terceiro lugar. Naquele momento, era mais veloz que Senna

Após passar Arnoux, Bellof alcançou o 3º lugar. Na ocasião, era mais veloz que Senna

Os destaques do GP de Mônaco de 1984 tiveram carreiras distintas, mas destinos semelhantes. Enquanto Senna atingiu o tricampeonato mundial, Bellof não obteve êxito na Fórmula 1. Porém, tanto Ayrton quanto Stefan morreram na pista. O brasileiro faleceu no GP de San Marino de 1994. Já o alemão, num acidente nos Mil Quilômetros de Spa, na Bélgica, em 1985. Na Curva Eau Rouge, Bellof se chocou com Ickx, o diretor daquela prova do Principado. Viveu somente 27 anos.

Ainda assim, todos que conheceram Stefan viram nele um talento nato. Martin Brundle, companheiro de Bellof na Tyrrell e rival de Senna na Fórmula 3 Inglesa, reconheceu: “não tenho dúvida de que, em uma volta, Stefan era mais rápido do que eu. Mas foi como Ayrton: tirado de nosso convívio muito cedo”.

Bellof e seu chefe de equipe em 1984, o experiente Ken Tyrrell

Bellof e seu chefe de equipe em 1984, o experiente Ken Tyrrell

O renomado jornalista inglês Nigel Roebuck traçou um exercício de ‘futurologia’ sobre o talento germânico. “Se Bellof iria vencer Grandes Prêmios? Não tenho dúvida nenhuma. Aliás, acredito que ele seria o primeiro campeão do mundo alemão. Ele tinha habilidade para isso. E, embora a Ferrari nunca tenha confirmado, não restam muitas dúvidas que ele seria o parceiro de Michele Alboreto na equipe em 1986. A sua morte foi uma perda horrível para o esporte e ainda maior para aqueles que o conheciam”.

Sobre contosdaf1

Desde 1981, um amante de automobilismo. E veio desde o registro, quando no cartório seu pai foi questionado se queria colocar o nome "Willians" no garoto. "Esse é o nome de uma escuderia. Pode dar problema para ele no futuro", disse a escrivã. Hoje em dia, a equipe Williams voltou a se destacar, enquanto o menino segue o destino. Jornalista, nascido em Santos, cobriu os GPs do Brasil de 2005 a 2009 em Interlagos pelo jornal A Tribuna. Acompanha a Fórmula 1 religiosamente desde 1986. Pretende fazer isso até seus últimos dias. Afinal, o faz desde o primeiro.
Esta entrada foi publicada em Alfa Romeo, Andrea de Cesaris, Arrows, Ayrton Senna, Brabham, Corrado Fabi, Derek Warwick, Elio de Angelis, François Hesnault, Jacques Lafitte, Johnny Cecotto, Ligier, Marc Surer, Martin Brundle, Mônaco, Osella, Patrick Tambay, Piercarlo Ghinzani, Riccardo Patrese, Stefan Bellof, Toleman, Tyrrell. ligação permanente.

16 respostas a Mônaco-1984: a exibição de gala que eternizou Stefan Bellof

  1. perin1979 diz:

    Baita história, já conhecia mas não com tantos detalhes. Só uma leve consideração: o Belloff nem teve tempo de mostrar talento na F1, morreu muito cedo…

    • contosdaf1 diz:

      Perin, ao menos teve tempo para deixar muitos boquiabertos com essa exibição em Mônaco. Ao menos isso. Quem viveu com ele, diz que tinha muito talento. Mas o destino não quis que esse talento desabrochasse na F1.

  2. Importante também ressaltar que Bellof guiava, no fato acima descrito, um Tyrrel-Ford com motor Cosworth DFY V8, uma variação mais curta do clássico Cosworth DFV dos anos 70. O bloco era leve, a caixa de marchas Hewland distribuía bem a potência e o projeto aerodinâmico de Maurice Phillipe era o azeite. Um carro leve e rápido, mas que não acompanhava (!) os monstruosos motores turbo das outras equipes…mesmo assim Bellof fez o que fez. Mais 4 ou 5 voltas e ele levava o caneco…

    Parabéns pelo post, nasci no mesmo dia que o Bellof e aprecio muito este piloto. Fico no aguardo dos posts sobre Gunnar Nilsson, Didier Pironi e Thierry Boutsen (hehehehe).

    Abs!

    • contosdaf1 diz:

      Obrigado pelas palavras, João Marcelo. De fato, o projeto da Tyrrell em 1984, somado a dois promissores pilotos – Bellof e Brundle -, viveu momentos especiais, apesar das irregularidades constatadas pela FISA. Ah, já temos a história de Boutsen em San Marino-1985. Tô no celular, não vou conseguir passar o link, mas vale conferir no blog. Abraços!

  3. Abdo Maki diz:

    Vale lembrar que Bellof estava em vantagem aquele momento por usar motor atmosférico, que entregava potência mais linear e mais vácil de dosar no sabonete que esta a pista. Senna ofria o tempo com o motor turbo pois a potência vinha de uma vez.

  4. Marcos diz:

    Apesar da grande atuação de Bellof, há fortes indícios que o carro tinha peso abaixo do regulamento 40 kgs pelo fato de ser atmosférico e 50 kgs com um truque da Tyrell e a gasolina estava fora do padrão tudo isto descoberto mais tarde….como seu carro não foi periciado no fim da prova ele acabou sendo bastante festejado.

    • contosdaf1 diz:

      Marcos, a Tyrrell perdeu todos os resultados de 1984 por irregularidades. Inclusive esse. Isso faz com que a performance de Bellof tenha valor reduzido? Naquelas condições adversas, creio que não. E tenho certeza que concordas com isso.

  5. Leonardo Guerreiro diz:

    Na verdade, o carro de Belloff estava irregular, tanto é que ele e seu companheiro de equipe, perderam todos os pontos nessa temporada, seus carros estavam com combustível adulterado e um sistema de lastro ilegal.
    Ou seja, nesta corrida de monaco-84, chegou em terceiro, porém foi desclassificado.
    Esta matéria é sensacionalista acompanhada de ignorância de quem a escreveu, se querem contar uma história, contem a verdade.

    • contosdaf1 diz:

      Sua ignorância é tamanha que acaba sendo incapaz de ler o texto (afinal, toda a sua ‘exposição’ já está descrita no post). Assim sendo, sua ‘simpática’ mensagem será exibida, para exaltar seu grau de estupidez.

  6. Mamão diz:

    Pois é… A reportagem está muito boa, mas foi um pouco injusta com a frase “não teve sucesso na F1” que deveria ser “não teve tempo de ter sucesso na F1”.
    Acompanhei sua carreira e ele era um piloto fenomenal. Acho que tinha todo talento necessario para ser campeão da F1, mas sei que isso não basta. Poderia vir a ser campeão sem a menor sombra de duvidas.

  7. A atuação de Beloff e Senna como diz o artigo foram memoráveis. E coincidentemente de modo trágico , ambos tiveram a morte como destino final. Bellof bateu em Jackie Ickxy que foi o diretor de prova daquela prova e a maracutaia da corrida que a interferencia de Jean Marrie Ballestre fez para defender Alain Prost e sem falar que Ickxy era piloto do team Porsche e a montadora alemã ligada a Volkswagen se não fosse aquela patriotada francesa (Belgica e Mônaco e França falam frances), Senna venceria a corrida, Beloff passaria Prost e Arnoux possivelmente seria o 4º. Com a desclassificação do piloto da Tyrrell Ayrton seria o vencedor, Prost o segundo e Arnoux 3º. Prost seria campeão naquele ano e não Lauda. E outra coisa curiosa que a matéria não lembrou: Senna em 1984 com a Toleman-Hart derrotava a poderosa McLaren TAG Porsche de Ron Dennis e foi com a poderosa McLaren-Honda de Ron Dennis 4 anos depois Senna começava sua era de títulos e aquela exibição fez com que Ayrton fosse para a Lotus no lugar de Mansell que foi para a Williams no lugar de Rosberg que foi para a McLaren no lugar de Lauda que se aposentaria como tricampeão .

  8. Só li hoje o artigo na íntegra hoje, mas está muito bom, meu caro, parabéns!

  9. Sandro diz:

    Uma coisa que sempre me intrigou. Nas fotos e videos do pódio em Mônaco, não aparece Bellof em nenhum momento. Lembrando que no gp de detroit Brundle foi segundo e subiu ao pódio junto com Piquet, o vencedor daquela corrida. O que aconteceu lá em Mônico.

  10. AGENOR SILVA diz:

    Achei bem interessante! Parabéns pela matéria! Pena que tanto o Alemão, quanto o Ayrton foram “embora” muito cedo…

  11. Pingback: Especial F1 999: Primeiro pódio de Senna na marcante corrida de Mônaco 1984 – Piloto do Dia

Deixe um comentário