Brasil-1981: Surer sai da reserva para voar com Ensign

O suíço Marc Surer obteve um impressionante quarto lugar em Jacarepaguá, e anotou a melhor volta do GP

Marc Surer obteve o quarto lugar em Jacarepaguá, e anotou a melhor volta da corrida

A Ensign viveu um turbilhão de emoções durante o fim de semana do GP do Brasil de 1981, disputado em Jacarepaguá. Sem um patrocinador principal para bancar os investimentos para a temporada, viu a ‘salvação da lavoura’ no acerto com um desconhecido (mas endinheirado) colombiano para a disputa da segunda etapa daquele ano. Todavia, Ricardo Londoño-Bridge não recebeu a superlicença da FIA, e a escuderia apelou para o retorno de Marc Surer ao cockpit de seu único carro. Com o reserva, a equipe vivenciou um fim de semana de sonhos: o suíço pisou fundo na molhada pista carioca e obteve um impressionante quarto lugar. De quebra, anotou a melhor volta da corrida, ocorrida em 29 de março de 1981.

As façanhas de Surer vieram de forma despretensiosa. O suíço estava resignado a passar o fim de semana num quarto de hotel em São Conrado – o que, convenhamos, era algo pra lá de bacana. Entretanto, a cúpula da Ensign acionou Marc após o imbróglio que envolveu Londoño-Brigde. Primeiro colombiano a assumir um cockpit de Fórmula 1, Ricardo participou da sessão de adaptação dos pilotos ao circuito carioca, realizada na quarta-feira pré-GP. Para o sul-americano, aquele teste serviria para obter a superlicença da FISA. Com um tempo de 1m41s776 em sua primeira experiência, ficou à frente de renomados pilotos, como Nelson Piquet (Brabham) e René Arnoux (Renault), sendo o 19º entre os 30 pilotos que foram à pista.

Chamado às pressas pela Ensign, Surer treinou com o carro que levava o nome de Londoño-Bridge

Chamado às pressas , Surer treinou com o carro que levava o nome de Londoño-Bridge

Apesar da marca, o colombiano foi protagonista de um polêmico acidente em Jacarepaguá. Keke Rosberg (Fittipaldi), que andava à frente de Ricardo, foi atingido pelo sul-americano. À época, houve quem dissesse que Rosberg reduziu de forma deliberada sua velocidade, a fim de testar o novato. Independentemente disso, o finlandês bradou contra Londoño-Bridge. Com a justificativa de ter sido considerado culpado pelo incidente, a FISA não concedeu a superlicença para o colombiano. A falta do certificado desesperou a Ensign. O jeito foi Morris Nunn, chefe da escuderia, correr para o hotel e chamar Surer.

Nascido em 18 de setembro de 1951, em Fullinsdorf, Marc vivia uma situação complicada na carreira. Inspirado no compatriota e ídolo Jo Siffert, sagrou-se campeão suíço (1972) e europeu (1973) de kart. Em 1974, ingressou nos monopostos. Correu em categorias como a Fórmula Vê Alemã (1974 e 1975) e a Fórmula 3 Alemã e Europeia (1976), mas sem muito destaque. Em 1977, migrou para a Fórmula 2. Na primeira temporada, foi apenas o 13º. Em 1978, foi vice-campeão. Porém, em 1979, obteve o título da categoria. A conquista do campeonato da F2 o credenciou para a Fórmula 1 naquele mesmo ano. Pela Ensign, correu o GP dos Estados Unidos-Leste, em Watkins Glen, mas abandonou. Em 1980, se transferiu para a ATS. Seu melhor resultado foi um oitavo lugar no GP do Brasil, em Interlagos.

Marc estreou na Fórmula 1 em 1979, na Ensign

Marc estreou na Fórmula 1 em 1979, na Ensign

Em 1981, Surer retornou para a Ensign. A bordo do modelo N180B, o suíço abandonou o GP dos Estados Unidos-Oeste, em Long Beach, com problemas elétricos. Porém, havia um problema maior com a equipe: faltava dinheiro. A Unipart, patrocinadora master do time, deixou de investir na escuderia. Morris Nunn, então, foi atrás de interessados em investir na Ensign. Dias antes do GP do Brasil, Nunn fechou a contratação de Londoño-Bridge para o único cockpit da equipe. Ricardo traria “investimentos colombianos” para o time – segundo o jornalista espanhol Javier Rubio, o piloto era financiado por um “grupo empresarial” liderado pelo narcotraficante Pablo Escobar.

Porém, sem Londoño-Bridge na pista, as marcas foram retiradas da carenagem do Ensign. Não só os patrocinadores, mas também o dinheiro. O jeito foi chamar Surer e correr com o carro “limpo”. Mesmo sem ter testado o carro na quarta, Marc obteve um bom 18º lugar na primeira sessão de treinos oficiais, na sexta, com 1m39s296. No sábado, melhorou seu tempo em quase 0s7, fazendo 1m38s570 e assegurando a 18ª posição no grid. A pole ficou com Nelson Piquet (Brabham), com 1m35s079, 3s491 mais veloz que o suíço.

Keke Rosberg (Fittipaldi) é pressionado por Jean-Pierre Jarier (Ligier) e Surer: chuva ajudou o suíço

Keke Rosberg (Fittipaldi) é pressionado por Jean-Pierre Jarier (Ligier) e Surer (nº 14): chuva ajudou o suíço

A corrida

Diante abissal desvantagem, o jeito era rezar para carregar seu Ensign para a bandeira quadriculada. O que Surer não esperava era que uma tempestade cairia sobre o Rio de Janeiro, o que fez a corrida virar uma verdadeira loteria. Marc aproveitou-se do dilúvio e fez uma apresentação irretocável. Na largada, escapou dos acidentes que envolveram Eddie Cheever (Tyrrell), Chico Serra (Fittipaldi), René Arnoux (Renault) e Mario Andretti (Alfa Romeo), e superou rivais como Piquet, Nigel Mansell (Lotus), Didier Pironi (Ferrari), Hector Rebaque (Brabham), Jacques Laffite (Ligier) e John Watson (McLaren) para alcançar o nono lugar.

Na volta 2, passou a pressionar Alain Prost (Renault), mas acabou sendo superado por Watson e caiu para o 10º lugar. Mesmo assim, Surer não perdeu o empenho e continuou a assediar Alain, na luta pelo nono posto. Na volta 4, o suíço ultrapassou o francês e retomou a nona posição. Na volta 7, Bruno Giacomelli (Alfa Romeo), com problemas na bomba de gasolina de seu carro, caiu para o fim do pelotão, fazendo com que Marc subisse para o oitavo lugar. Duas voltas depois, Surer se aproveitou das dificuldades de Gilles Villeneuve (Ferrari) e assumiu a sétima posição. Na volta 15, Jean-Pierre Jarier (Ligier), penúltimo no grid, tomou o posto de Marc.

Marc Surer atacou Elio de Angelis: ultrapassagem sobre o italiano valeu o quarto lugar

Marc Surer atacou Elio de Angelis: ultrapassagem sobre o italiano valeu o quarto lugar

Ainda assim, o piloto da Ensign mantinha o bom ritmo na pista molhada. Na volta 18, ultrapassou Keke Rosberg (Fittipaldi) e reassumiu a sétima colocação, passando a perseguir Jarier e Watson. Soberbo na chuva, Surer superou Jean-Pierre na volta 29, passando a figurar na zona de pontos. Melhor: estava com John em sua alça de mira. O suíço passou a pressionar o britânico da McLaren com intensidade. Até que, na volta 34, Watson não resistiu, e rodou na Curva Sul. Marc era o quinto em Jacarepaguá. O ritmo de Surer era fortíssimo, a ponto de anotar a melhor volta da corrida, na 36, com 1m54s302.

Na volta 45, Marc alcançou Elio de Angelis (Lotus). De forma sublime, o suíço superou o italiano três voltas depois. A partir daí, Surer estava atrás apenas da dupla da Williams – Carlos Reutemann e Alan Jones – e de Riccardo Patrese (Arrows). O piloto da Ensign reduziu a diferença para Patrese, mas como a corrida chegou ao limite de duas horas, o sonho do pódio se tornou ilusão. A vitória em Jacarepaguá ficou com Reutemann, após o argentino não ceder à ordem da Williams de ceder sua posição para Jones. Irritado, o australiano sequer foi ao pódio. Patrese completou o top 3, mas a festa do dia ficou nos boxes da Ensign.

O quarto lugar foi o melhor resultado da carreira de Surer e o ápice da Ensign

O quarto lugar foi o melhor resultado da carreira de Surer e o ápice da Ensign

O quarto lugar, com direito a melhor volta do GP do Brasil de 1981, marcou o ápice da carreira de Surer e o auge da trajetória da Ensign na Fórmula 1. Já para Londoño-Bridge, a aventura em Jacarepaguá significou a única experiência do colombiano num fim de semana na categoria. Depois do ocorrido no Rio, nunca mais figurou no ‘circo’ da Fórmula 1. Em 18 de julho de 2009, Ricardo foi assassinado com 12 tiros em Cordoba, na Colômbia. Há quem diga que o piloto morreu num “acerto de contas” do narcotráfico local. Independentemente dos motivos, o desfecho de Jacarepaguá-1981 só comprovou aquela máxima – a de que “dinheiro não traz felicidade”…

Sobre contosdaf1

Desde 1981, um amante de automobilismo. E veio desde o registro, quando no cartório seu pai foi questionado se queria colocar o nome "Willians" no garoto. "Esse é o nome de uma escuderia. Pode dar problema para ele no futuro", disse a escrivã. Hoje em dia, a equipe Williams voltou a se destacar, enquanto o menino segue o destino. Jornalista, nascido em Santos, cobriu os GPs do Brasil de 2005 a 2009 em Interlagos pelo jornal A Tribuna. Acompanha a Fórmula 1 religiosamente desde 1986. Pretende fazer isso até seus últimos dias. Afinal, o faz desde o primeiro.
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