
Felipe Massa celebra efusivamente a vitória no GP do Brasil de 2006, em Interlagos
Sabe aquele filme com roteiro cujo final é feliz para todos os personagens? O GP do Brasil de 2006, em Interlagos, reuniu três atores marcantes, que tinham missões distintas para a etapa do circuito paulistano. Felipe Massa (Ferrari) encarava o desafio de vencer em casa e quebrar o jejum de 13 anos sem vitórias de um piloto do País – o último havia sido Ayrton Senna, em 1993. Fernando Alonso (Renault) lutava para anotar um mísero ponto e assegurar o bicampeonato mundial. E Michael Schumacher (Ferrari) fazia sua despedida da Ferrari com uma improvável meta: levantar o oitavo título da Fórmula 1.
A história dos três acabava se entrelaçando em Interlagos. Tudo porque Alonso e Schumacher disputavam ponto a ponto o título mundial de 2006. Porém, no GP do Japão – prova anterior ao GP do Brasil –, o motor Ferrari deixou o alemão na mão, e o espanhol partiu para a vitória em Suzuka. O triunfo colocou o asturiano com 10 pontos de vantagem sobre o germânico. Bastava um oitavo lugar em Interlagos para Fernando assegurar o bi, independentemente da posição de Michael.

Os holofotes em Interlagos estavam voltados para Alonso e Schumacher: duelo de titãs
Mas, se Alonso não pontuasse, Schumacher poderia alcançar o oitavo título mundial. E aí o fator Massa entraria em ação. Será que Felipe tiraria Fernando da corrida para favorecer Michael, seu companheiro na Ferrari? “Não sou um piloto sujo. Nunca faria o papel de botar o Alonso para fora da pista. Isso não faz parte da minha escola, da minha pessoa. Agora, se ele estiver na minha frente, vou para cima, para tentar ganhar a posição. Não tenha dúvida disso”, afirmou o brasileiro em evento da Bridgestone, dias antes da última corrida daquele Mundial.
Felipe tinha um plano traçado em mente: fazer o seu melhor, sem se pressionar pela vitória em Interlagos. “Tenho a expectativa de fazer uma boa corrida, mas estou mais relaxado. Acho que a minha primeira vitória (no GP da Turquia, em Istambul) mudou muita coisa. E acho até bom essa expectativa toda criada em cima do Schumacher e do Alonso. Melhor para mim”.

Massa se colocou à disposição de Schumacher para ajudá-lo na disputa pelo título mundial
Dependendo do cenário da prova – ou seja, possibilidade de título para o alemão –, Massa poderia abdicar da vitória em Interlagos para favorecer Michael. “Vou fazer o que puder para largar na frente e, quando a corrida começar, vou com tudo. E aí vemos o que vai acontecer no final. Tudo vai depender dos nossos concorrentes. Se o Alonso não estiver na zona de pontuação, vou para a vitória. Caso contrário, vou ajudar o Schumacher”.
Nos treinos, a Ferrari revelou um amplo favoritismo em Interlagos. Schumacher e Massa ditavam o ritmo nas sessões livres e entraram no qualifying de sábado como principais candidatos à primeira fila do GP do Brasil. Porém, logo na primeira volta da fase decisiva do qualifying, o alemão sofreu com problemas na pressão de combustível em sua Ferrari. Assim, Michael não anotou tempo, sendo obrigado a largar em 10º.

Felipe se aproveitou do problema de Schumacher para assegurar a pole em Interlagos
Sem Schumacher, o caminho ficou livre para Massa fazer a pole. Com um macacão em verde e amarelo, Felipe foi o único a andar na casa de 1m10s – fez 1m10s680. Quando anotou seu tempo, a torcida brasileira entoou: “olê, olê, olê, olá… Massa, Massa!”. Felipe foi para junto do ‘pit wall’ para celebrar a pole em casa. “Subi no muro e vivi algo que eu nunca tinha vivido. É um dos dias mais felizes da minha vida. Nunca vou esquecer. Comecei a correr em Interlagos e nunca imaginei estar aqui, numa pole, com um F1”.
Para se ter uma ideia da superioridade do brasileiro da Ferrari, o segundo colocado no qualifying, Kimi Raikkonen (McLaren), fez 1m11s299, ficando 0s619 atrás do brasileiro. Alonso sairia em quarto, seis posições à frente de Schumacher. Se a missão do octa já era dificílima, se tornou quase impossível para Michael após a frustração de sábado.

Clima de despedida: antes da largada em Interlagos, Schumacher recebeu um troféu das mãos de Pelé
A corrida
O clima era de festa em Interlagos naquele domingo, 22 de outubro de 2006. As homenagens para Schumacher emocionavam e contagiavam o ‘circo’ da Fórmula 1. Minutos antes da largada do GP do Brasil, Michael foi presenteado com um troféu, dado por Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Era mais um histórico encontro do Rei do Futebol com o Imperador da Fórmula 1 – aliás, dois monarcas reverenciados pelo mundo inteiro.
Apesar das honrarias, o foco do alemão era um só: fazer o possível para surpreender a todos e deixar o circuito paulistano com a coroa da categoria máxima do automobilismo. Para isso, dependeria do insucesso de Alonso, que estava determinado a assegurar o bicampeonato a todo custo.

Largada em Interlagos: Massa manteve a ponta, Alonso seguiu em 4º e Schumacher subiu para 6º
E Massa? Ao alinhar sua Ferrari na posição de honra de Interlagos, o brasileiro parecia estar preparado para o que estava por vir. Quando as luzes vermelhas se apagaram dando início ao GP do Brasil, Felipe partiu decidido a entrar no S do Senna na liderança. E foi isso que fez: não deu brecha para Raikkonen, mantendo a ponta. Alonso seguia em quarto, e Schumacher figurava em oitavo. Depois, o alemão da Ferrari superou Ralf Schumacher (Toyota) e Rubens Barrichello (Honda), subindo para sexto.
Na volta 2, um acidente com Nico Rosberg (Williams) na Curva do Café provocou a entrada do safety car. Na relargada, dada na volta 6, Massa se segurou na frente. Alonso continuou em quarto. Já Schumacher seguia em sexto. Entre o alemão da Ferrari e o espanhol da Renault, estava Giancarlo Fisichella (Renault). O italiano lutou com todas as forças para impedir o avanço de Michael para cima de Fernando. Mas na volta 9, veio a manobra de Schumacher. Por fora, o germânico contornou o S do Senna à frente de Fisichella. Contudo, um pequeno toque do pneu traseiro esquerdo na asa da Renault de Giancarlo mudou o rumo da corrida.

Schumacher tenta passar Fisichella, mas tem pneu furado: momento decisivo do Mundial
Um furo de pneu. Um furo de pneu que freou a reação de Schumacher e deu fim à disputa do título. Um furo de pneu que tranquilizou Alonso. Um furo de pneu que praticamente sacramentava a vitória de Massa em Interlagos. Felipe perdeu a liderança para Alonso apenas por duas voltas no seu primeiro pit stop – voltas 24 e 25. No segundo, parou e voltou na liderança. Foi um domínio absoluto do brasileiro da Ferrari em Interlagos, que liderou 69 das 71 voltas da corrida.
No fim, veio a recompensa: uma retumbante vitória, a primeira de um brasileiro em 13 anos. Repetiu os gestos de Senna, erguendo a bandeira brasileira no cockpit e tomando banho de champanhe no pódio. “Devo ser mesmo uma pessoa iluminada. É inacreditável ver as pessoas aqui em Interlagos com bandeiras, gritando por você. É difícil explicar. Nunca imaginei estar aqui. E nunca vou esquecer este dia. Mesmo que muitas outras vitórias e até títulos venham, esse dia vai ser sempre muito especial. Senti uma força muito grande aqui”, disse Felipe, visivelmente emocionado.

Massa e a bandeira brasileira: depois de 13 anos, um piloto do país voltava a vencer em Interlagos
Já Alonso “correu com o regulamento embaixo do braço”. Cauteloso, o espanhol se manteve entre os primeiros durante todo o GP do Brasil. Ao saber do incidente com Schumacher, sua situação ficou ainda mais tranquila. Bastava levar a Renault até a bandeira quadriculada para ver o bi assegurado. E foi o que fez: segundo lugar convincente para um justo bicampeão.
Se o espanhol “jogou com o regulamento”, Schumacher correu para a posteridade. De último, pulverizou o recorde de Interlagos em algumas oportunidades. Ultrapassou Robert Kubica (BMW Sauber) e Rubens Barrichello (Honda) com propriedade. Depois, levou Fisichella a cometer um erro. No final, superou Raikkonen com categoria, para assegurar um impressionante quarto lugar – entre o alemão da Ferrari e o espanhol da Renault, estava Jenson Button (Honda), terceiro colocado após largar na 14ª posição.

Massa, entre o bicampeão Alonso, 2º colocado, e Button, o 3º: pódio festivo no GP do Brasil
Schumacher não foi ao pódio. Mas não precisava. Ele simplesmente foi Schumacher. E assim Schumacher saiu de cena. Mas saiu de cena da Ferrari: três anos após sua retirada, Michael retornou à F1, desta vez pela Mercedes. Ficou três anos no time prateado, entre 2010 e 2012, mas longe de ser o vencedor que havia sido em sua primeira passagem pela categoria.
Sabe aquele filme com roteiro cujo final é feliz para todos os personagens? O GP do Brasil de 2006 terminou feliz para Massa, Alonso e Schumacher. Houve festa pela vitória de Felipe, pelo título de Fernando e pela trajetória de Michael. Um final apoteótico de uma temporada marcante. Uma corrida para a história da Fórmula 1.

Schumacher deu show no “até breve”: Mercedes fez alemão reconsiderar a aposentadoria