Em 27 de janeiro de 1974, o Autódromo de Interlagos, em São Paulo, foi palco de um novo show brasileiro na Fórmula 1. Como em 1973, Emerson Fittipaldi (McLaren) triunfou em solo paulistano. Mas a festa do Rato, com a bandeira do Brasil em punho no alto do pódio, não foi o único momento importante do automobilismo tupiniquim. Naquele mesmo cenário, José Carlos Pace (Surtees) colocou-se entre os quatro melhores do GP do Brasil daquele ano. Moco fez milagre no cockpit do bólido de John Surtees, campeão de 1964. Sobretudo durante a forte chuva que deu fim à etapa – a prova não chegou ao número de voltas previstas por conta da pista molhada.
Foi a redenção para o brasileiro, que via em 1974 uma temporada para consolidar sua carreira. Pace ingressou na Surtees em 1973, credenciado após o bom ano de estreia na categoria máxima do automobilismo, com a March, em 1972. Na primeira temporada sob o comando de John Surtees, José Carlos enfrentou muitos problemas. O TS14A não era um modelo confiável – das 15 etapas, abandonou 10, sendo sete por defeito no bólido. Ainda assim, Moco conquistou sete pontos, fruto de dois belos resultados: o quarto lugar no GP da Alemanha, em Nurburgring, e o terceiro no GP da Áustria, em Osterreichring – este último, seu primeiro pódio na F1.
Para 1974, algumas mudanças na Surtees. A começar pelos pilotos. Pace seria mantido na escuderia, mas teria Jochen Mass como companheiro de equipe – o alemão substituiu o britânico Mike Hailwood no time. Além disso, um novo carro foi projetado: o TS16. E foi com este modelo que tanto o brasileiro como o germânico correram na etapa inaugural da temporada: o GP da Argentina, em Buenos Aires. Todavia, o desempenho da Surtees decepcionou: Moco chegou a andar entre os seis primeiros, mas abandonou com problemas de suspensão, na volta 21. Já Mass parou na volta 10, devido a quebra do motor Ford.
Duas semanas depois da etapa argentina, o ‘circo’ da Fórmula 1 se instalou em São Paulo, palco da disputa do GP do Brasil. Era a segunda etapa oficial da categoria em Interlagos – em 1973, a vitória foi de Emerson Fittipaldi, com a Lotus. Em 1974, Rato foi para a McLaren, mas ainda assim atraía as atenções. Sobretudo após a performance de sua nova escuderia em Buenos Aires – o triunfo ficou nas mãos do companheiro de Fittipaldi, Denny Hulme. Se Emerson queria repetir o primeiro lugar de 1973, Moco pretendia apagar o azar daquela prova – depois de largar bem e figurar em segundo, Pace estava em quarto quando abandonou, na volta 10, por problemas de suspensão.
Determinado a mudar de sorte em Interlagos, José Carlos partiu com tudo para os treinos. Exímio conhecedor do traçado paulistano, o brasileiro tinha um duro desafio a superar: o mau desempenho da Surtees. Nos treinos, Moco enfrentou diversos problemas com seu carro. No fim, ficou apenas com o 12º lugar no grid, com o tempo de 2m35s63. A título de comparação, Mass assegurou o 10º lugar, com 2m35s43. Já a pole ficou com Fittipaldi, com 2m32s97 – 2s66 mais rápido do que o compatriota. A situação deixou Pace transtornado. Até porque tinha um forte patrocinador, a Brahma, que praticamente bancava a escuderia.
Na edição de 27 de janeiro de 1974 do jornal Folha de S. Paulo, Moco soltou o verbo contra sua equipe. Desapontado, criticou abertamente os membros do time. “Minha paciência acabou. Desta vez, estou pensando seriamente em romper o contrato com a Surtees. São falhas em cima de falhas e não são minhas não, são da equipe. Que outra explicação eu posso dar? Até o cabo do acelerador quebrou. Assim não dá. Suspensão e pneus também tiveram problemas. Não posso continuar assim”, desabafou o brasileiro.
Ainda à Folha, Moco relatou que andou sempre no limite nos treinos. “Andei acima das condições do carro. E sabe o que consegui? Dois segundos de diferença. Ora, na Fórmula 1, isso e nada é a mesma coisa. Agora, mesmo se conseguisse ser o pole position, de nada adiantaria, pois logo em seguida começaria a assistir a ultrapassagem dos outros, o que não é nada animador se considerar que não vou conseguir recuperar as posições perdidas”, explicou. “Uma corrida é uma competição. E como vou competir com uma máquina sem condições? Dá frustração”, lamentou.
Para tomar dimensão da revolta do brasileiro, confira trecho publicado na Folha. “A irritação de Pace era tanta que ele chegou ao extremo de dar as costas a um de seus mecânicos, mandados por John Surtees para pedir informações sobre os problemas do carro. O rapaz ficou por ali, meio sem jeito, e voltou para perto de Surtees sem nada a dizer. Não precisava, pois o velho campeão estava também muito sem jeito, pois sabe que seu piloto tem razão. Passado algum tempo, chegou perto de Pace, que, com a pior expressão desse mundo, estava encostado na parede do boxe, e disse ou perguntou alguma coisa. A resposta de Pace foi um seco e ríspido ‘yes’. John foi embora para perto do carro”.
Sobre suas pretensões para o GP do Brasil, Pace foi enfático. “Ainda ontem, tinha gente me apontando como um dos favoritos e com possibilidades até de vencer. Olha, não vai dar não, podem ter certeza que não vai dar”, afirmou. O brasileiro da Surtees estava resignado. Mas, na pista, José Carlos sempre se entregou. Um lutador como ele jamais entregaria os pontos antes do combate. E com esse espírito Moco alinhou seu carro azul no grid de Interlagos.
A corrida
Debaixo de muito sol, a largada do GP do Brasil teve que ser adiada, por conta da torcida brasileira – o público atirava garrafas na pista. Depois de algum tempo, a luz verde foi dada. Logo nos primeiros metros, Pace disparou para cima dos adversários. Afinal, seria ali, no início do GP do Brasil, que seu resultado seria selado. Na volta 1, Moco figurava na nona posição – o brasileiro da Surtees superou Arturo Merzario (ISO-Marlboro), Niki Lauda (Ferrari) e Mike Hailwood (McLaren). Na passagem seguinte, ultrapassou Hulme, passando a ocupar o oitavo lugar. A ascensão de Pace prosseguiu na volta 3, quando superou Mass e tomou de seu companheiro a sétima colocação.
A partir daí, José Carlos precisou ser paciente. Afinal, tinha de tratar seu Surtees com cuidado. O TS16 era um carro nervoso, e nas velozes curvas de Interlagos, qualquer descuido significaria fim de prova. Na volta 10, a regularidade foi premiada: com o abandono de Peter Revson (Shadow), Moco herdou o sexto lugar. Na passagem seguinte, o brasileiro viu Carlos Reutemann (Brabham) com problemas nos pneus Goodyear de seu bólido e superou o argentino para ocupar a quinta posição.

Fora das pistas, Pace e Lauda se davam bem, mas em Interlagos, o brasileiro levou a melhor sobre o austríaco
A esperança de Pace aumentou com o passar das voltas. Na 20, Ronnie Peterson (Lotus), então segundo colocado, teve um furo no pneu de seu carro, e foi obrigado a parar nos boxes. Dessa forma, Moco estava em quarto. À frente do brasileiro da Surtees, apenas Fittipaldi, Clay Regazzoni (Ferrari) e Jacky Ickx (Lotus). O pódio parecia ser algo possível quando, na volta 29, uma forte chuva começou a cair sobre Interlagos. Todavia, temendo pela segurança dos pilotos, o diretor de prova, Mario Patti, interrompeu a corrida na volta 32. Emerson vencia no Brasil novamente, e José Carlos pontuava em casa pela primeira vez. Porém, Moco reclamou: achava que o pódio estava a seu alcance.
“Foi tudo muito bem para mim. O carro rendeu quase o esperado, melhorou muito, mas se não fosse a paralisação da corrida, eu poderia ter passado Ickx e chegado em terceiro lugar”, avaliou o brasileiro da Surtees, desgastado após o término da prova, à edição de 28 de janeiro de 1974 do jornal Folha de S.Paulo. “Eu quase não aguentava mais. O pescoço doía muito, pois o carro vibrava demais. Ele saia um pouco de traseira nas curvas, talvez por problemas de suspensão. Isso exigiu um cuidado maior de mim. Cada vez mais tinha que caprichar mais para ganhar alguns segundos”.

Pace ficou satisfeito com o 4º lugar, mas achava que poderia lutar pelo pódio se não fosse a interrupção do GP
Apesar de considerar o pódio possível, Moco concordou com a decisão de Mario Patti, diretor de prova. “Foi uma medida acertada. Esse tipo de chuva é o mais perigoso que existe. Quando ela para, a pista fica escorregadia e os pilotos começam a correr mais, acreditando que a pista está normal. Aí acontecem os acidentes”. Pace saiu de Interlagos sem figurar entre os três primeiros, mas quis o destino que, no ano seguinte, o piloto atingisse o auge naquele mesmo palco. Mas em outra equipe – Moco não suportou os péssimos resultados da Surtees após o GP do Brasil e foi para a Brabham ainda em 1974.
Eu estava nessa corrida de 1974. Lembro de ter visto o carro com o patrocínio da FINA na parte frontal, quase voar na pista. Momentos antes de a prova ser interrompida, ele era o mais veloz. Me impressionou muito quando ele passava na reta, com o motor “berrando” mais que todos os outros. Somente depois fui saber que era o José Carlos Pace. Memorável.